segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Lágrima

Quando eu choro
Choro pelo desgosto que tenho
Choro por todas as vezes que já chorei
E choro por todas aquelas em que nem sequer pude chorar

Quando eu choro
Choro por todos aqueles que já perdi
Todas as feridas reabrem
Sangram ...
E o choro silencioso escorre em cascata
Lágrima a lágrima
Lembrando tudo o que eu perdi
Tudo o que eu não tenho
E tudo o que eu não sou

Quando eu choro
Há um gemido silencioso
Estrangulado à nascença
O corpo mantêm-se imóvel, rígido, inerte, morto
Face estática de olhar parado e fixo

Quando eu choro
Há estilhaços por toda a parte
Laminas que me esfarrapam por dentro
Cortes que me matam devagar
Dor, prolongada agonia

Ah quando eu choro
Sangram-me as veias
Enrigessem-me os ossos
Contraio os espasmos, a dor
E tudo por dentro se contorce
Se desfaz ...
A cabeça roda numa dor latente, aguda e voraz
À velocidade da luz passam imagens
De tudo... mas mesmo de tudo!
Tudo aquilo que um dia me magoou
Ferindo-me novamente
Com uma intensidade imensa
Igual ou mesmo superior
Acutilante...

Quando eu choro acumulo as águas de todos os rios
Que transbordam levando tudo o que sou
Para parte nenhuma
Sem destino algum
Deixo-me arrastar pela tormenta
Num vórtice de escombros
Pedaços de vida
Amor, ódio, fúria, desalento
Sentimentos contraditórios

Quando eu choro
Choro também por tudo aquilo que ainda vou chorar
Por tudo aquilo que sei que vou perder
E choro até o choro dos outros

Quando eu choro...
Chove sempre torrencialmente nalgum lugar
E quando a chuva bate na minha janela
Sei que posso parar de chorar
Pois ela chora no meu lugar
Colo a face ao vidro e junto minhas lágrimas às dela
Cadenciada, tilinta devagar
Exausto cedo-lhe o meu lugar
E vejo as minhas lágrimas no seu olhar
Fica um vazio imenso
Um silêncio

Quando eu choro
Choro todas as lágrimas que nunca chorei
Sinto a dor como nunca a senti
E morro, devagar ausente
Numa expressão
Num olhar

Quando eu choro
Choro porque já não há lugar para mais lágrimas cá dentro
E a água sai devagar
Como se extravasasse somente

As dores vão-se acumulando com os anos...
As lágrimas também!